Como elaborar uma resenha
1. Definições
Resenha-resumo:
É um texto que se limita a resumir o conteúdo de um livro, de um
capítulo, de um filme, de uma peça de teatro ou de um espetáculo, sem
qualquer crítica ou julgamento de valor. Trata-se de um texto
informativo, pois o objetivo principal é informar o leitor.
Resenha-crítica:
É um texto que, além de resumir o objeto, faz uma avaliação sobre
ele, uma crítica, apontando os aspectos positivos e negativos. Trata-se,
portanto, de um texto de informação e de opinião, também denominado de
recensão crítica.
2. Quem é o resenhista
A resenha, por ser em geral um resumo crítico, exige que o
resenhista seja alguém com conhecimentos na área, uma vez que avalia a
obra, julgando-a criticamente.
3. Objetivo da resenha
O objetivo da resenha é divulgar objetos de consumo cultural -
livros,filmes peças de teatro, etc. Por isso a resenha é um texto de
caráter efêmero, pois "envelhece" rapidamente, muito mais que outros
textos de natureza opinativa.
4. Veiculação da resenha
A resenha é, em geral, veiculada por jornais e revistas.
5. Extensão da resenha
A extensão do texto-resenha depende do espaço que o veículo reserva
para esse tipo de texto. Observe-se que, em geral, não se trata de um
texto longo, "um resumão" como normalmente feito nos cursos superiores
... Para melhor compreender este item, basta ler resenhas veiculadas por
boas revistas.
6. O que deve constar numa resenha
Devem constar:
- O título
- A referência bibliográfica da obra
- Alguns dados bibliográficos do autor da obra resenhada
- O resumo, ou síntese do conteúdo
- A avaliação crítica
7. O título da resenha
O texto-resenha, como todo texto, tem título, e pode ter subtítulo, conforme os exemplos, a seguir:
Título da resenha: Astro e vilão
Subtítulo: Perfil com toda a loucura de Michael Jackson
Livro: Michael Jackson: uma Bibliografia não Autorizada (Christopher Andersen) - Veja, 4 de outubro, 1995
Título da resenha: Com os olhos abertos
Livro: Ensaio sobre a Cegueira (José Saramago) - Veja, 25 de outubro, 1995
Título da resenha: Estadista de mitra
Livro: João Paulo II - Bibliografia (Tad Szulc) - Veja, 13 de março, 1996
8. A referência bibliográfica do objeto resenhado
Constam da referência bibliográfica:
- Nome do autor
- Título da obra
- Nome da editora
- Data da publicação
- Lugar da publicação
- Número de páginas
- Preço
Obs.: Às vezes não consta o lugar da publicação, o número de páginas e/ou o preço.
Os dados da referência bibliográfica podem constar destacados do texto, num "box" ou caixa.
Exemplo:
Ensaio sobre a cegueira, o novo livro do
escritor português José Saramago (Companhia das Letras; 310 páginas; 20
reais), é um romance metafórico (...) (Veja, 25 de outubro, 1995).
9. O resumo do objeto resenhado
O resumo que consta numa resenha apresenta os pontos essenciais do texto e seu plano geral.
Pode-se resumir agrupando num ou vários blocos os fatos ou idéias do objeto resenhado.
Veja exemplo do resumo feito de "Língua e liberdade: uma nova
concepção da língua materna e seu ensino" (Celso Luft), na resenha
intitulada "Um gramático contra a gramática", escrita por Gilberto
Scarton.
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"Nos 6 pequenos capítulos que integram a obra, o gramático bate,
intencionalmente, sempre na mesma tecla - uma variação sobre o mesmo
tema: a maneira tradicional e errada de ensinar a língua materna, as
noções falsas de língua e gramática, a obsessão gramaticalista, a
inutilidade do ensino da teoria gramatical, a visão distorcida de que se
ensinar a língua é se ensinar a escrever certo, o esquecimento a que se
relega a prática lingüística, a postura prescritiva, purista e alienada
- tão comum nas "aulas de português".
O velho pesquisador apaixonado pelos problemas de língua, teórico
de espírito lúcido e de larga formação lingüística e professor de longa
experiência leva o leitor a discernir com rigor gramática e comunicação:
gramática natural e gramática artificial; gramática tradicional e
lingüística;o relativismo e o absolutismo gramatical; o saber dos
falantes e o saber dos gramáticos, dos lingüistas, dos professores; o
ensino útil, do ensino inútil; o essencial, do irrelevante".
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Pode-se também resumir de acordo com a ordem dos fatos, das partes e dos capítulos.
Veja o exemplo da resenha "Receitas para manter o coração em forma"
(Zero Hora, 26 de agosto, 1996), sobre o livro "Cozinha do Coração
Saudável", produzido pela LDA Editora, com o apoio da Beal.
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Receitas para manter o coração em forma
"Na apresentação, textos curtos definem os diferentes tipos de
gordura e suas formas de atuação no organismo. Na introdução os médicos
explicam numa linguagem perfeitamente compreensível o que é preciso
fazer (e evitar) para manter o coração saudável.
As receitas de Cozinha do Coração Saudável vêm distribuídas
em desjejum e lanches, entradas, saladas e sopas; pratos principais;
acompanhamentos; molhos e sobremesas. Bolinhos de aveia e passas,
empadinhas de queijo, torta de ricota, suflê de queijo, salpicão de
frango, sopa fria de cenoura e laranja, risoto com açafrão, bolo de
batata, alcatra ao molho frio, purê de mandioquinha, torta fria de
frango, crepe de laranja e pêras ao vinho tinto são algumas das
iguarias".
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10. Como se inicia uma resenha
Pode-se começar uma resenha citando-se imediatamente a obra a ser resenhada. Veja os exemplos:
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"Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino" (L&PM, 1995, 112 páginas),
do gramático Celso Pedro Luft, traz um conjunto de idéias que subvertem
a ordem estabelecida no ensino da língua materna, por combater,
veementemente, o ensino da gramática em sala de aula.
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Mais um exemplo:
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"Michael Jackson: uma Bibliografia Não Autorizada
(Record: tradução de Alves Calado; 540 páginas, 29,90 reais), que chega
às livrarias nesta semana, é o melhor perfil de astro mais popular do
mundo". (Veja, 4 de outubro, 1995).
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Outra maneira bastante freqüente de iniciar uma resenha é escrever
um ou dois parágrafos relacionados com o conteúdo da obra.
Observe o exemplo da resenha sobre o livro "História dos Jovens"
(Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt), escrita por Hilário Franco Júnior
(Folha de São Paulo, 12 de julho, 1996).
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O que é ser jovem
Hilário Franco Júnior
Há poucas semanas, gerou polêmica a decisão do Supremo Tribunal
Federal que inocentava um acusado de manter relações sexuais com uma
menor de 12 anos. A argumentação do magistrado, apoiada por parte da
opinião pública, foi que "hoje em dia não há menina de 12 anos, mas
mulher de 12 anos".
Outra parcela da sociedade, por sua vez, considerou tal veredito
como a aceitação de "novidades imorais de nossa época". Alguns dias
depois, as opiniões foram novamente divididas diante da estatística
publicada pela Organização Mundial do Trabalho, segundo a qual 73
milhões de menores entre 10 e 14 anos de idade trabalham em todo o
mundo. Para alguns isso é uma violência, para outros um fato normal em
certos quadros sócio-econômico-culturais.
Essas e outras discussões muito atuais sobre a população jovem só
podem pretender orientar comportamentos e transformar a legislação se
contextualizadas, relativizadas. Enfim, se historicizadas. E para isso a
"História dos Jovens" - organizada por dois importantes historiadores, o
modernista italiano Giovanno Levi, da Universidade de Veneza, e o
medievalista francês Jean-Claude Schmitt, da École des Hautes Études em
Sciences Sociales - traz elementos interessantes.
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Observe igualmente o exemplo a seguir - resenha sobre o livro
"Cozinha do Coração Saudável", LDA Editores, 144 páginas (Zero Hora, 23
de agosto, 1996).
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Receitas para manter o coração em forma
Entre os que se preocupam com o controle de peso e buscam uma
alimentação saudável são poucos os que ainda associam estes ideais a uma
vida de privações e a uma dieta insossa. Os adeptos da alimentação de
baixos teores já sabem que substituições de ingredientes tradicionais
por similares light garantem o corte de calorias, açúcar e gordura com a
preservação (em muitos casos total) do sabor.
Comprar tudo pronto no supermercado ou em lojas especializadas é
barbada. A coisa complica na hora de ir para a cozinha e acertar o ponto
de uma massa de panqueca,crepe ou bolo sem usar ovo. Ou fazer uma
polentinha crocante, bolinhos de arroz e croquetes sem apelar para a
frigideira cheia de óleo. O livro Cozinha do Coração Saudável apresenta
110 saborosas soluções para esses problemas.
Produzido pela LDA Editora com apoio da Becel, Cozinha do Coração
saudável traz receitas compiladas por Solange Patrício e Marco Rossi,
sob orientação e supervisão dos cardiologistas Tânia Martinez,
pesquisadora e professora da Escola Paulista de Medicina, e José Ernesto
dos Santos, presidente do departamento de Aterosclerose da Sociedade
Brasileira de Cardiologia e professor da faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto. Os pratos foram testados por nutricionistas da Cozinha
Experimental Van Den Bergh Alimentos.
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Há, evidentemente, numerosas outras maneiras de se iniciar um
texto-resenha. A leitura (inteligente) desse tipo de texto poderá
aumentar o leque de opções para iniciar uma recensão crítica de maneira
criativa e cativante, que leva o leitor a interessar-se pela leitura.
11. A crítica
A resenha crítica não deve ser vista ou elaborada mediante um
resumo a que se acrescenta, ao final, uma avaliação ou crítica. A
postura crítica deve estr presente desde a primeira linha, resultando
num texto em que o resumo e a voz crítica do resenhista se
interpenetram.
O tom da crítica poderá ser moderado, respeitoso, agressivo, etc.
Deve ser lembrado que os resenhistas - como os críticos em geral -
também se tornam objetos de críticas por parte dos "criticados"
(diretores de cinema, escritores, etc.), que revidam os ataques
qualificando os "detratores da obra" de "ignorantes" (não compreenderam a
obra) e de "impulsionados pela má-fé".
12. Exemplos de resenhas
Publicam-se a seguir três resenhas que podem ilustrar melhor as considerações feitas ao longo desta apresentação.
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Atwood se perde em panfleto feminista
Marilene Felinto
Da Equipe de Articulistas
Margaret Atwood, 56, é uma escritora canadense famosa por sua
literatura de tom feminista. No Brasil, é mais conhecida pelo romance "A
mulher Comestível" (Ed. Globo). Já publicou 25 livros entre poesia,
prosa e não-ficção. "A Noiva Ladra" é seu oitavo romance.
O livro começa com uma página inteira de agradecimentos,
procedimento normal em teses acadêmicas, mas não em romances. Lembra
também aqueles discursos que autores de cinema fazem depois de receber o
Oscar. A escritora agradece desde aos livros sobre guerra, que
consultou para construir o "pano de fundo" de seu texto, até a uma
parente, Lenore Atwood, de quem tomou emprestada a (original?
significativa?) expressão "meleca cerebral".
Feitos os agradecimentos e dadas as instruções, começam as quase
500 páginas que poderiam, sem qualquer problema, ser reduzidas a 150.
Pouparia precioso tempo ao leitor bocejante.
É a história de três amigas, Tony, Roz e Charis, cinqüentonas que
vivem infernizadas pela presença (em "flashback") de outra amiga, Zenia,
a noiva ladra, inescrupulosa "femme fatale" que vive roubando os homens
das outras.
Vilã meio inverossímel - ao contrário das demais personagens,
construídas com certa solidez -, a antogonista Zenia não se sustenta,
sua maldade não convence, sua história não emociona. A narrativa
desmorona, portanto, a partir desse defeito central. Zenia funcionaria
como superego das outras, imagem do que elas gostariam de ser, mas não
conseguiram, reflexo de seus questionamentos internos - eis a leitura
mais profunda que se pode fazer desse romance nada surpreendente e muito
óbvio no seu propósito.
Segundo a própria Atwood, o propósito era construir, com Zenia, uma
personagem mulher "fora-da-lei", porque "há poucas personagens mulheres
fora-da-lei". As intervenções do discurso feminista são claras,
panfletárias, disfarçadas de ironia e humor capengas. A personagem Tony,
por exemplo, tem nome de homem (é apelido para Antônia) e é professora
de história, especialista em guerras e obcecada por elas, assunto de
homens: "Historiadores homens acham que ela está invadindo o território
deles, e deveria deixar as lanças, flechas, catapultas, fuzis, aviões e
bombas em paz".
Outras alusões feministas parecem colocadas ali para provocar riso,
mas soam apenas ingênuas: "Há só uma coisa que eu gostaria que você
lembrasse. Sabe essa química que afeta as mulheres quando estão com TPM?
Bem, os homens têm essa química o tempo todo". Ou então, a mensagem
rabiscada na parede do banheiro: "Herstory Not History", trocadilho que
indicaria o machismo explícito na palavra "História", porque em inglês a
palavra pode ser desmembrada em duas outras, "his" (dele) e story
(estória). A sugestão contida no trocadilho é a de que se altere o "his"
para "her" (dela).
As histórias individuais de cada personagem são o costumeiro
amontoado de fatos cotidianos, almoços, jantares, trabalho, casamento e
muita "reflexão feminina" sobre a infância, o amor, etc. Tudo isso
narrado da forma mais achatada possível, sem maiores sobressaltos, a não
ser talvez na descrição do interesse da personagem Tony pelas guerras.
Mesmo aí, prevalecem as artificiais inserções de fundo histórico,
sem pé nem cabeça, no meio do texto ficcional, efeito da pesquisa que a
escritora - em tom cerimonioso na página de agradecimentos - se orgulha
de ter realizado.
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Estadista de mitra
Na melhor bibliografia de João Paulo II até agora, o jornalista Tad Szulc dá ênfase à atuação política do papa
Ivan Ângelo
Como será visto na História esse contraditório papa João Paulo II, o
único não-italiano nos últimos 456 anos? Um conservador ou um
progressista? Bom ou mau pastor do imenso rebanho católico? Sobre um
ponto não há dúvida: é um hábil articulador da política internacional.
Não resolveu as questões pastorais mais angustiantes da Igreja Católica
em nosso tempo - a perda de fiéis, a progressiva falta de sacerdotes, a
forma de pôr em prática a opção da igreja pelos pobres -; tornou mais
dramáticos os conflitos teológicos com os padres e os fiéis por suas
posições inflexíveis sobre o sacerdócio da mulher, o planejamento
familiar, o aborto, o sexo seguro, a doutrina social, especialmente a
Teologia da Libertação, mas por outro lado, foi uma das figuras-chave na
desarticulação do socialismo no Leste Europeu, nos anos 80, a partir da
sua atuação na crise da Polônia. É uma voz poderosa contra o racismo, a
intolerância, o consumismo e todas as formas autodestrutivas da cultura
moderna. Isso fará dele um grande papa?
O livro do jornalista polonês Tad Szulc João Paulo II - Bibliografia
(tradução de Antonio Nogueira Machado, Jamari França e Silvia de Souza
Costa; Francisco Alves; 472 páginas; 34 reais) toca em todos esses
aspectos com profissionalismo e competência. O autor, um
ex-correspondente internacional e redator do The New York Times, viajou
com o papa, comeu com ele no Vaticano, entrevistou mais de uma centena
de pessoas, levou dois anos para escrever esse catatau em uma máquina
manual portátil, datilografando com dois dedos. O livro, bastante atual,
acompanha a carreira (não propriamente a vida) do personagem até o fim
de janeiro de 1995, ano em que foi publicado. É um livro de
correspondente internacional, com o viés da política internacional.
Szulc não é literariamente refinado como seus colegas Gay Talese ou Tom
Wolfe, usa com freqüência aqueles ganchos e frases de efeito que adornam
o estilo jornalístico, porém persegue seu objetivo como um míssil e
atinge o alvo.
Em meio à política, pode-se vislumbrar o homem Karol Wojtyla,
teimoso, autoritário, absolutista de discurso democrático, alguém que
acha que tem uma missão e não quer dividi-la, que é contra o "moderno"
na moral, que prefere perder a transigir, mas é gentil, caloroso,
fraterno, alegre, franco ... Szulc, entretanto, só faz o esboço, não
pinta o retrato. Temos, então, de aceitar a sua opinião: "É difícil não
gostar dele".
Opus Dei - O livro começa descrevendo a
personalidade de João Paulo II, faz um bom resumo da História da Polônia
e sua opção pelo Ocidente e pela Igreja Católica Romana (em vez da
Ortodoxa Grega, que dominava os vizinhos do Leste), fala da relação
mística de Wojtyla com o sofrimento, descreve sus brilhante carreira
intelectual e religiosa, volta à sua infância, aos seus tempos de
goleiro no time do ginásio ""um mau goleiro", dirá mais tarde um amigo),
localiza aí sua simpatia pelos judeus, conta que ele decidiu ser padre
em meio ao sofrimento pela morte do pai, destaca a complacência de Pio
XII com o nazismo, a ajuda à Opus Dei (a quem depois João Paulo II daria
todo o apoio), demora-se demais nos meandros da política do bispo e
cardeal Wojtyla, cresce jornalisticamente no capítulo sobre a eleição
desse primeiro papa polonês, mostra como ele reorganizou a Igreja,
discute suas posições conservadoras sobre a Teologia da Libertação e as
comunidades eclesiais de base, CEBs, na América latina, descreve sua
decisiva atuação na política do Leste Europeu, a derrocada do comunismo,
e termina com sus luta atual contra o demônio pós-comunista. Agora o
demônio, o perigo mortal para a humanidade, é o capitalismo selvagem e o
"imperialismo contraceptivo" dos EUA e da ONU.
Szulc, o escritor-míssil, não se desvia do seu alvo nem quando vê
um assunto saboroso como a Cúria do Vaticano, que diz estar cheia de
puxa-sacos e fofoqueiros com computadores, nos quais contabilizam trocas
de favores, agrados, faltas e rumores. O sutil jornalista Gay Talese
não perderia um prato desses.
Entretanto, Szulc está sempre atento às ações políticas do papa.
Nota que João Paulo II elevou a Opus Dei à prelatura pessoal enquanto
expurgou a Companhia de Jesus por seu apoio à Teologia da Libertação;
ajudou a Opus Dei a se estabelecer na Polônia, beatificou rapidamente
seu criador, monsenhor Escrivã. Como um militar brasileiro dos anos 60,
cassou o direito de ensinar dos padres Küng, Pohier e Curran, silenciou
os teólogos Schillebeeckx (belga), Boff (brasileiro), Häring (alemão) e
Gutiérrez (peruano), reduziu o espaço pastoral de dom Arns (brasileiro).
Em contrapartida, apoiou decididamente o sindicato clandestino polonês,
a Solidariedade. Fez dobradinha com o general dirigente polonês
Jaruzelski contra Brejnev, abrindo o primeiro país socialista, que abriu
o resto. O próprio Gorbachev reconhece: "Tudo o que aconteceu no Leste
Europeu nesses últimos anos teria sido impossível sem a presença deste
papa".
Talvez seja assim também com relação ao que acontece com as
religiões cristãs no nosso continente. Tad Szulc, com cautela, alerta
para a penetração, na América Latina, dos evangélicos e pentecostais,
que o próprio Vaticano chama de "seitas arrebatadoras". A participação
comunitária e o autogoverno religioso que existia nas CEBs motivavam
mais a população. Talvez seja. Acrescentando-se a isso o lado litúrgico
dos evangélicos que satisfaz o desejo dos fiéis de serem atores no drama
místico, não tanto espectadores, tem-se uma tese.
O perfil desenhado por Szulc é o de um político profundamente
religioso. Um homem que reza sete horas por dia, com os olhos firmemente
fechados, devoto de Nossa Senhora de Fátima e do mártir polonês São
Estanislau e que acredita no martírio e na dor pessoais para alcançar a
graça.
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Um gramático contra a gramática
Gilberto Scarton
Língua e Liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino
(L&PM, 1995, 112 páginas) do gramático Celso Pedro Luft traz um
conjunto de idéias que subverte a ordem estabelecida no ensino da língua
materna, por combater, veemente, o ensino da gramática em sala de aula.
Nos 6 pequenos capítulos que integram a obra, o gramático bate,
intencionalmente, sempre na mesma tecla - uma variação sobre o mesmo
tema: a maneira tradicional e errada de ensinar a língua materna, as
noções falsas de língua e gramática, a obsessão gramaticalista,
inutilidade do ensino da teoria gramatical, a visão distorcida de que se
ensinar a língua é se ensinar a escrever certo, o esquecimento a que se
relega a prática lingüística, a postura prescritiva, purista e alienada
- tão comum nas "aulas de português".
O velho pesquisador apaixonado pelos problemas da língua, teórico
de espírito lúcido e de larga formação lingüística e professor de longa
experiência leva o leitor a discernir com rigor gramática e comunicação:
gramática natural e gramática artificial; gramática tradicional e
lingüística; o relativismo e o absolutismo gramatical; o saber dos
falantes e o saber dos gramáticos, dos lingüistas, dos professores; o
ensino útil, do ensino inútil; o essencial, do irrelevante.
Essa fundamentação lingüística de que lança mão - traduzida de
forma simples com fim de difundir assunto tão especializado para o
público em geral - sustenta a tese do Mestre, e o leitor facilmente se
convence de que aprender uma língua não é tão complicado como faz ver o
ensino gramaticalista tradicional. É, antes de tudo, um fato natural,
imanente ao ser humano; um processos espontâneo, automático, natural,
inevitável, como crescer. Consciente desse poder intrínseco, dessa
propensão inata pela linguagem, liberto de preconceitos e do
artificialismo do ensino definitório, nomenclaturista e alienante, o
aluno poderá ter a palavra, para desenvolver seu espírito crítico e para
falar por si.
Embora Língua e Liberdade do professor Celso Pedro Luft não
seja tão original quanto pareça ser para o grande público (pois as
mesmas concepções aparecem em muitos teóricos ao longo da história), tem
o mérito de reunir, numa mesma obra, convincente fundamentação que lhe
sustenta a tese e atenua o choque que os leitores - vítimas do ensino
tradicional - e os professores de português - teóricos, gramatiqueiros,
puristas - têm ao se depararem com uma obra de um autor de gramáticas
que escreve contra a gramática na sala de aula.
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